Educación Superior en Brasil: Simon Schwartzman
Marzo 10, 2019

captura-de-pantalla-2018-08-05-a-las-11-49-39A Fábrica de Ilusões

By Simon on Mar 09, 2019 08:51 am

(Artigo publicado no jornal O Estado de São Paulo em 9/3/2019)

No Brasil, todos querem ganhar na loteria, e muita gente joga, mesmo que pouquíssimos ganhem. No ensino superior é parecido: certa de 7 milhões se candidatam todo ao ano ENEM, disputando cerca de 300 mil vagas em universidades federais. Muitos dos que não passam vão para escolas privadas, em alguns casos com bolsas ou créditos educativos. Em 2017, 2.5 milhões de pessoas entraram em cursos superiores, a grande maioria no setor privado, e 1.2 milhões se formaram. Dados do INEP mostram que depois de 4 anos, 31% dos estudantes haviam abandonado o curso, e só 11% haviam se formado. O abandono é muito maior nas instituições privadas (37%), e em áreas como ciências matemáticas e computação (40%), ciências sociais (35%) e cursos à distância (42%).

A peneira, na verdade, começa antes. Hoje, existe escola fundamental para todos, mas a qualidade, sobretudo nas redes municipais e estaduais, é muito ruim, e a grande maioria chega ao ensino médio mal sabendo escrever e fazer contas. Em 2018, 3 milhões de jovens entraram no ensino médio, mas só 2.3 milhões chegaram ao terceiro ano. Outros 1.4 milhões, mais velhos, se matricularam em cursos de educação de jovens e adultos, onde a grande maioria não se forma, e qualidade é pior ainda. É pior do que loteria, porque é um jogo de cartas marcadas: filhos de famílias mais ricas e educadas e que estudam em escolas particulares ou passam nos “vestibulinhos” das escolas federais têm mais chances de conseguir boa nota no ENEM, passar na FUVEST, escolher os melhores cursos ou ir para uma escola superior privada de elite; a grande maioria fica pelo caminho.

Ter educação superior hoje no Brasil significa ter uma renda média do trabalho de 4.600 reais mensais, comparado com 1.600 para os que têm nível médio e 1.350 para os que só têm o fundamental. Mas depende muito de qual curso e qual faculdade a pessoa seguiu: cerca de metade das pessoas de nível superior trabalham em profissões de nível médio, com renda próxima de 2400 reais. Para ter maiores benefícios, é preciso entrar em uma carreira disputada como medicina ou engenharia, ou passar na prova da OAB, ou em um difícil concurso para um cargo público: é para poucos.

Além do imenso custo pessoal para os milhões que gastam anos, dinheiro e esperança tentando uma carreira que nunca vão atingir, existe o custo público de manter tudo isto. Segundo os dados da Secretaria do Tesouro, os gastos da União em educação superior passaram de 32 a 75 bilhões de reais entre 2008 e 2017, em sua grande maioria na forma de salários para professores de tempo integral das universidades federais, enquanto que o crédito educativo, concedido de forma indiscriminada ao setor privado até recentemente, chegou a mais de 30 bilhões em 2016 e 2017. Tudo isto para financiar um sistema com 30% ou mais de ineficiência, sem falar na qualidade e pertinência do que é ensinado. O Ministério da Educação mantém um sistema extremamente complexo e caro de avaliação do ensino superior, com as provas do ENADE e a divulgação de diferentes índices que não nos dizem quais cursos são efetivamente bons ou ruins, nem qual a empregabilidade dos formados, ou a eficiência das instituições no uso dos recursos públicos.

Outra ilusão é a suposta “indissociabilidade do ensino, da pesquisa e da extensão” consagrada no art. 207 da Constituição. Em seu nome, 87% dos professores das instituições federais e 80% das estaduais têm contratos de trabalho de tempo integral, e a maioria de dedicação exclusiva, elevando enormemente os custos, embora a pesquisa que mereça este nome – regular, de padrão internacional e de impacto social e econômico – esteja concentrada em umas poucas instituições, existam poucas patentes e grande parte dos artigos produzidos terminem enterrados em revistas que ninguém lê. Em seu nome, também, as instituições de ensino são avaliadas pelo que elas não querem não sabem fazer, e nem precisam – quantos professores doutores têm, quantos papers produzem, quantos cursos de pós-graduação oferecem.

Não será fácil sair desta situação. Não é possível reverter o relógio e limitar o acesso à educação superior, mas é possível melhorar as avaliações e oferecer uma gama de alternativas de estudo e formação para pessoas que chegam ao ensino superior com diferentes condições e necessidades. O “modelo de Bolonha”, adotado pela União Europeia e muitos outros países, consiste em um primeiro ciclo de 3 anos de amplo acesso, seguido por mestrados ou cursos mais avançados. Além disto, existem amplos sistemas de formação vocacional que começa no ensino médio e continua no pós-secundário, em institutos e centros especializados. Transitar do sistema tradicional de cursos de 4 ou 5 anos para este modelo não sido fácil, mas é possível, se houver uma visão clara do que se pretende, e estímulos adequados para que as instituições respondam.

O setor privado, que trabalha em uma perspectiva empresarial, já vem se adaptando às novas condições, compensando a perda dos subsídios do crédito educativo por cursos à distância e ampliando a oferta de cursos “tecnológicos” de curta duração. O setor público necessita, sobretudo, de incentivos corretos para disputar e usar bem seus recursos, com contratos de gestão para cumprir metas diferenciadas e realistas, novas formas de governança e flexibilidade legal e institucional para responder a estes incentivos. E os estudantes devem compartir a responsabilidade e os custos de sua educação, sobretudo através de créditos educativos associados à renda futura.

O mercado tem suas vantagens, mas também problemas quando a competição se dá por baixos custos e venda de ilusões. O ensino superior brasileiro precisa de uma visão de futuro, regras claras de funcionamento, mais flexibilidade e mais transparência, e o Ministério da Educação, que é parte, talvez não seja a melhor agência para regular este sistema.

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