Simon Schwartzman: Universidade para todos? (2)
Febrero 5, 2019

Universidade para todos? (2)

By Simon on Feb 02, 2019 10:38 amcaptura-de-pantalla-2018-08-05-a-las-11-49-39

(Publicado no site GaúchaZH e Jornal Zero Hora de Porto Alegre)

Com somente 18% da população entre 25 e 34 anos com educação superior, o Brasil está muito atrasado neste aspecto, se comparado com Colômbia (28%) e Chile (30%), sem falar em Portugal (34%), Estados Unidos (47%) e Coréia do Sul (70%) (dados da OECD).  “Universidade para Todos” não existe em nenhum lugar no mundo, mas a preocupação com expandir o acesso à educação superior no Brasil é legítima, e, como as possibilidades de acesso dependem fortemente das condições socioeconômicas das famílias, também faz sentido se preocupar em tornar este acesso mais equitativo.

A grande expansão da educação superior que vem ocorrendo em todo o mundo acompanhou o crescimento das cidades, a ampliação do setor público e dos serviços, a industrialização e, mais recentemente, a crescente necessidade de pessoas mais qualificadas, que possam participar plenamente do que hoje se denomina “economia do conhecimento”.  Existe uma aspiração crescente, na população, por mais educação superior, não só pela expectativa de maior renda e melhores empregos, como também culturalmente – para as classes altas e médias, ter uma educação superior é cada vez mais o que se espera dos jovens, o “novo normal”.  No Brasil os benefícios financeiros para quem tem educação superior, embora venham caindo, ainda são muito altos: o rendimento médio mensal do trabalho de quem tinha educação superior em 2017 era de cerca de 5 mil reais, comparado com 1.600 para quem tinha somente o nível médio.

Sensíveis a esta aspiração, os governos do PT investiram pesadamente tanto na expansão do ensino superior público quanto no financiamento do setor privado, que hoje atende a cerca de 75% da matrícula. Pelos dados publicados em 2017 pela Secretaria do Tesouro Nacional, os gastos do governo federal com educação superior e profissional passaram de 32 a 79 bilhões de reais entre 2008 e 2015, e o quantitativo de pessoal das universidades e institutos federais passou de 190 a 300 mil entre 2008 e 2017. Para o setor privado, o principal subsídio foi o sistema de financiamento do crédito educativo (FIES), cujo custo chegou a 32 bilhões de reais em 2016, ainda segundo o Ministério da Fazenda.

Este enorme esforço talvez se justificasse se ele tivesse levado a um aumento significativo do número e sobretudo da qualificação de pessoas altamente educadas no país, e se o ingresso à educação superior de fato proporcionasse as vantagens de emprego e renda tão esperados. Em números, o total de alunos matriculados no ensino superior no setor público aumentou em 50% e duplicou no setor privado desde 2015. No entanto, não sabemos o que aconteceu com a qualidade, porque o sistema de avaliação da educação superior utilizado pelo Ministério da Educação só compara os cursos uns com os outros, sem nos dizer se são bons ou ruins. Temos muitos dados, no entanto, que indicam a grande ineficiência e inequidade do sistema.

Para entrar no sistema federal, milhões de estudantes enfrentam anualmente a prova do ENEM disputando cerca de 300 mil vagas, e, depois de 4 anos, 30% dos estudantes que entram sistema federal, e quase 40% dos que entram no setor privado, abandonam os estudos antes de terminar. Uma vez formados, quase metade, entre os que têm 40 anos de idade ou menos, terminam trabalhando em atividades de nível médio, bem longe das posições de alta renda e prestígio a que aspiravam. Em termos de equidade, o aumento do número de matrículas abriu  espaço para estudantes provenientes de setores mais pobres, sobretudo no setor privado e nas carreiras menos disputadas, já que, nas universidades federais, o grande filtro operado pelo ENEM se aplica igualmente a estudantes cotistas e não cotistas; e uma análise mais detalhada dos que abandonam os cursos ou terminam trabalhando em atividades de nível médio seguramente mostrará que são, sobretudo, os provenientes de famílias mais pobres e menos educadas. Enquanto isto, a produtividade da economia, medida pelos economistas, tem se mantido baixa e inalterada ao longo do tempo.

O caminho para sair desta situação não é o de restringir a educação superior a um número pequeno de universidades no modelo tradicional, limitando o acesso através de um sistema ainda mais seletivo que o atual ENEM. O caminho é trabalhar para desenvolver um sistema cada vez mais amplo de alternativas de formação de nível superior, atendendo a diferentes públicos; reduzir os privilégios de mercado de trabalho associados às credenciais que não estejam efetivamente associadas a competências, diminuindo assim a demanda por diplomas vazios de conteúdo; condicionar o financiamento público a contratos de gestão claramente estabelecidos com as instituições públicas e privadas, em termos de eficiência, qualidade e empregabilidade de seus formados; informar efetivamente à sociedade dos custos e benefícios associados às diferentes modalidades de educação; e eliminar os subsídios à educação superior quando eles não se justifiquem claramente em termos de equidade e necessidade social.

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