Fernando Capovilla: sobre o uso do termo “competência” em documentos de educação
By Simon on Apr 15, 2018 08:27 pm
Sobre alguma desconfiança no uso do termo “competências” em documentos de educação , e um possível tratamento elementar
Fernando C. Capovilla (*)
Quanto à desconfiança que, às vezes, cerca o uso da palavra competências em determinados documentos oficiais, é possível que ela não reflita necessariamente descrédito quanto ao construto competências propria
Neste caso, essa desconfiança saudável pode ser tratada facilmente oferecendo as referências de artigos científicos publicados que tenham feito uso dos mesmos construtos, em especial dos estudos originais que tenham revelado a adequação desses construtos descobertos a partir de análise fatorial. É preciso dizer que certos documentos parecem empregar de maneira aparentemente não muito bem fundamentada o conceito de competência, e enumerar uma série de competências que estariam sendo avaliadas por um dado novo instrumento com uma dada nova amostra, sem que tenha sido demonstrada evidência (ou sequer oferecida referência acerca de evidência) de que essas mesmas competências tenham sido isoladas previamente em outros estudos (ou numa fase anterior desse mesmo estudo) por meio de análises fatoriais. Seria uma simples questão de prover a necessária propedêutica e fundamentação estatística.
Conduzir Análise Fatorial Exploratória via SPSS, com análise fatorial comum, pode ser útil antes de conduzir Análise Fatorial Confirmatória via LISREL ou AMOS, que se baseia na análise de fatores e construtos derivados diretamente de uma dada teoria. Os fatores que emergem da Análise Fatorial Exploratória podem ajudar a corrigir eventuais expectativas teóricas inadequadas subjacentes ao modelo de Análise Fatorial Confirmatória. Um artigo que ilustra o uso de Análise Fatorial Exploratória para avaliar competências pode ser encontrado aqui: http://www.dbc.wroc.pl/
Pesquisadores conduzem Análise Fatorial Exploratória para determinar a dimensionalidade dos itens de mensuração. Se os pesquisadores estão desenvolvendo seus próprios itens ou customizando os itens a partir da bibliografia, é recomendável conduzir Análise Fatorial Exploratória a partir de dados de estudos piloto (mínimo de amostra de 100). A partir dos resultados da Análise Fatorial Exploratória, os pesquisadores podem rearranjar os itens com base nos componentes resultantes. Feito isto, podem conduzir o estudo de campo propriamente dito, e usar os dados resultantes desse estudo para conduzir a Análise Fatorial Confirmatória.
Se o pesquisador já tem uma estrutura conceptual perfeitamente bem estabelecida, a partir de uma vasta tradição de pesquisa consolidada numa série de estudos anteriores que identificaram os fatores com os quais está lindando, e ele deseja apenas confirmar essa estrutura, então ele não precisa conduzir Análise Fatorial Exploratória. Mesmo assim, se desejar, ele pode fazê-lo, para verificar se a estrutura original de sua amostra difere substancialmente (ou não) da amostra empregada nos estudos de validação original dos instrumentos que está usando ou dos construtos que está usando.
Contudo, quando se trata de áreas bem consolidadas, com estruturas conceptuais precisas e solidamente validadas, e instrumentos sensíveis e precisos e válidos e confiáveis, e com amostras com características já previamente mapeadas, então, pode-se usar Análise Fatorial Confirmatória diretamente, pois o trabalho prévio de Análise Fatorial Exploratória já teria sido realizado pelos pioneiros da área, e todos os conceitos já se encontram solidamente articulados. Este é o caso do modelo fônico de leitura e escrita, por exemplo. Um dos muitos estudos clássicos, algo antigos, empregando análise fatorial pode ser encontrado aqui: https://link.springer.
Neste caso, os instrumentos usados já dispõem de forte evidência acerca de parâmetros de validade e fidedignidade anteriormente estabelecida. Contudo, se este não é o caso (ou seja, se a estrutura conceptual da área ainda está obscura e/ou os instrumentos ainda são novos e carecem de validação e normatização solidamente estabelecidas), então a Análise Fatorial Exploratória pode explorar os fatores envolvidos, revelar fatores insuspeitos e problemas nos construtos adotados.
Análise Fatorial é um procedimento iterativo, quer se esteja usando Análise Fatorial Exploratória (por meio da Análise Fatorial comum do SPSS) ou Análise Fatorial Confirmatória (por meio de LISREL ou AMOS), a menos que se tenha uma teoria fortemente consolidada que dê apoio à dimensionalidade do construto (como é o caso da Teoria de Duplo Processo de Leitura e Escrita, ou Dual Process Theory, na tradição de Information Processing), e que se empreguem instrumentos previamente validados e normatizados, cujos dados são precisos, válidos, sensíveis, confiáveis, e com um histórico de procedimentos de validação de conteúdo baseado em procedimentos de desenvolvimento de itens e de análise de itens. Neste caso não se faz necessário conduzir Análise Fatorial Confirmatória, muito menos Análise Fatorial Exploratória.
Em verdade até mesmo a Análise Fatorial Confirmatória pode ser usada de modo exploratório (AMOS, por exemplo a partir da modificação dos fatores à medida que os resultados de análises prévias vão se revelando), e a Análise Fatorial Exploratória com SPSS pode ser usada de modo confirmatório (estabelecendo um determinado número de fatores e especificando, a priori, quais itens se espera que estejam carregados no mesmo fator). É o modo como se usa a análise fatorial que determinará se a ênfase é exploratória ou confirmatória. Se os dados da Análise Fatorial Confirmatória se revelarem inconsistentes com as previsões do modelo teórico, esses dados poderão ser usados para sondar a presença de outros fatores até então insuspeitos. Assim, pode-se usar Análise Fatorial Confirmatória de modo exploratório para sondar os fatores envolvidos num dado teste se os dados se revelarem inconsistentes com a estrutura teórica que se sustenta a priori. Essas observações podem ser consideradas mais ou menos consensuais no campo.
Espero ter ajudado. Trata-se de informação complementar às informações oferecidas pelos colegas, no intuito de colaborar com o diálogo.
Fernando Capovilla é doutor em psicologia, professor e chefe do Laboratório de Neuropsicolingüística Cognitiva Experimental da USP.
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