Ação afirmativa no ensino superior brasileiro: a vez de São Paulo
Blog de Simon Schwartzman, 2013-01-07
O site “Inside Higher Education – The World View” publicou uma nota minha sobre o novo sistema de cotas das universidades paulistas, cuja versão em português reproduzo abaixo:
Em agosto de 2012 a Presidente Dilma Rousseff assinou a lei que torna obrigatório, para todas as universidades federais, reservar 50% de suas vagas em cada curso para estudantes oriundos de escolas públicas, conforme seu nível de renda e perfil étnico (pretos, pardos e indígenas), dando um prazo de quatro anos para que a regra seja implementada. Não querendo ficar para trás, o governador de São Paulo, Geraldo Alkimin, anunciou o projeto de ação afirmativa para as universidades estaduais paulistas, com o nome de “inclusão social com mérito”. Diferentemente do governo federal, que implantou a nova legislação sem considerar a má qualidade da educação recebida pela grande maioria dos estudantes oriundos de escolas públicas, o projeto paulista traz duas inovações importantes: primeiro, os estudantes que optarem por entrar pelo sistema de cotas deverão passar por um curso preparatório de dois anos, depois do qual poderão escolher os cursos superiores conforme seu desempenho nesta etapa; e segundo, estes estudantes receberão uma bolsa de estudos no valor de meio salário mínimo.
Alguns dados são necessários para entender estas políticas. Os dados mais recentes indicam haver no Brasil 6.7 milhões de estudantes de nível superior, dos quais um milhão em universidades federais e 620 mil em universidades estaduais (dos quais 163 mil nas estaduais paulistas). A grande maioria, cerca de 5 milhões, ou 73%, estudam em instituições privadas, em sua maior parte organizadas como empresas voltadas para o lucro. O acesso às instituições públicas é feito por sistemas competitivos (vestibulares ou o ENEM), que em geral selecionam estudante vindos de escolas privadas que tendem a ser melhores do que as públicas mas inacessíveis para quem não pode pagar. 87% dos estudantes de ensino médio estão em escolas públicas, com uma renda familiar que é um terço da dos estudantes em escolas particulares.
Faz sentido, portanto, buscar maneiras de dar mais oportunidades de educação superior para estudantes vindos de escolas públicas e de famílias mais pobres, enquanto a qualidade das escolas públicas não melhorar substancialmente (o critério de “raça” ou etnia, fortemente correlacionado com o de renda, é um outro assunto que não discutirei aqui). Como estes estudantes tendem a ser menos qualificados, no entanto, não é nada claro que eles terão condições de chegar aos mesmos níveis de formação do que seus colegas vindos das escolas particulares, sobretudo nas carreiras mais exigentes. Existe portanto o grande risco de que estes estudantes sejam eliminados ao longo dos cursos ou que as universidades terminem por baixar suas exigências e padrões de qualidade para não reconhecer o fracasso das políticas afirmativas.
A desigualdade em São Paulo, o Estado mais rico do Brasil, é ainda maior do que no país como um todo, com somente 10% de seus estudantes de nível superior tendo acesso às três universidades estaduais, USP, UNICAMP e UNESP, que estão por outro entre as melhores e mais bem financiadas do país. A solução proposta pelo governo do Estado, em consulta com as Universidades, supõe que os dois anos de estudos preparatórios em um “college” semelhante aos ingleses e americanos seriam suficientes para trazer estes estudantes ao mesmo nível de seus colegas vindos das escolas particulares, e, se isto não for possível, eles teriam ainda a possibilidade de continuar estudando nos cursos de formação tecnológica do sistema Paula Souza, que é o mais desenvolvido do Brasil. O desafio é que a educação brasileira está toda organizada no modelo tradicional europeu em que os estudantes ingressam diretamente nos cursos profissionais, e as várias tentativas já feitas de introduzir “ciclos básicos” de um ou dois anos nunca deram certo, sobretudo porque eles significam adiar a entrada nos cursos universitários, e seu conteúdo, de tipo geral, não desperta maior interesse entre os estudantes. No caso de São Paulo, a proposta do “college” está baseada em uma experiência promissora em pequena escala que vem sendo feita pela Universidade de Campinas, mas o projeto do Estado seria fazer um programa em grande escala baseado fortemente em tecnologias de ensino à distância e o uso de tecnologias de informação e comunicação, sobre as quais não existe muita experiência, para que metade dos alunos das universidades estaduais possam vir por esta rota no prazo de cinco anos.
Uma das virtudes do sistema de “colleges”, sobretudo nos Estados Unidos, é que ele oferece aos estudantes um leque amplo de opções, que inclui desde os que querem se preparar para carreiras técnico-científicas mais exigentes até os que se dirigem para profissões mais práticas e com menor exigência de qualificação. No caso de São Paulo, pelo menos pelo que foi publicado até agora, seria o oposto: todos os estudantes seguiriam o mesmo programa, e a opção de seguir um curso mais técnico e aplicado no sistema Paula Souza ficaria reservada para os que não conseguissem bons resultados no primeiro ano. Esta não seria uma boa receita para um sistema de educação superior que pretenda se expandir, se diversificar e se tornar menos excludente.
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